Em “Conto de Natal”, uma das
principais obras de Charles Dickens, ele trata do tema central que move sua
literatura, a injustiça. Certamente este tema é dos mais candentes e
angustiantes na história da humanidade. Suas obras refletiram sua história de
vida. Tido como um dos maiores romancistas da Europa, passou pelos dramas da
pobreza e da injustiça social. Na literatura Brasileira temos produções de
muitos bons autores, que conduzem suas reflexões em um grito contra a injustiça
e o sofrimento humano. O sofrimento e a desigualdade como uma forma suprema de
aprendizado. O Natal para mim sempre foi uma forma de reflexões e
reminiscências; de lembranças, de tristezas; de espírito lúdico e pungente. Nos
tempos em que o mercado não se apropriou desta data, guardo lembranças do meu povo,
que vivia no Acuri, N. S. DO Livramento, na beira do Rio Bento Gomes até Morrinho em
Barão de Melgaço. Passávamos longas férias na infância e juventude, no Natal
era festa, rodas de Cururu com cantadores entoando músicas de louvação. Desfilando
as passagens bíblicas e A SABENÇA da vida cotidiana das comunidades do rio
abaixo e rio acima. Viviam em fartura, de alimentos e de alegria. A história
não e diferente, como milhares de outros, expulsos de suas terras na diáspora
interna da baixada cuiabana, (e em todo MT), vindo constituir a horda de
deserdados e injustiçados nas cidades, especialmente Várzea Grande e Cuiabá. Os
sem escola, sem saúde, sem emprego, sem teto, espalhados no mal estar da
sobrevivência e indignidade em nossa cidade resistiram e resistem bravamente,
submetidos a condições extremamente desfavoráveis, mas refazendo e mantendo
seus marcos culturais. São atores de antes, de agora e do futuro, na escalada
da pobreza, das injustiças sociais, em um modelo de desenvolvimento
extremamente concentrador e excludente. Frente a opulência dos que usam o poder
para locupletação, intensificação e perpetuação das profundas diferenças
sociais para viver, e até para morrer. Do outro lado, o outro povo, a outra
cidade, onde poderosos enriquecem as custas dos outros, avareza e prepotência
orientam o distanciamento cada vez maior entre os deserdados da terra e dos
bens que produzem, e as castas que dominam as riquezas produzidas em nossa
terra. Vivemos de fato um tempo sombrio, não de frescor, mas de agruras, com
matilhas de hienas e lobos ferozes e insensíveis fazendo escárnio e zombando
das desgraças perpetradas contra as manadas de gente indefesa. Por que se calam
os que tem possibilidade de reagir a este Estado de coisas? Porque o pensamento
hedonista predomina, ao sabor de viver o prazer acima de tudo, sem ética, como
poder a qualquer preço? Ou o niilismo, onde são rompidos quaisquer vínculos com
o coletivo, vivendo fechados em si. Por que não acreditar em nada, aos que
podem contribuir com mudanças em busca da dignidade na vida de todos, sem
exceção? Parece que há mesmo uma espécie de tetralogia niilista no
hedonismo/consumismo; permissividade/relatividade, em um discurso fugaz do que
é efêmero, volátil e inconsequente. Parece que vínculos sociais, afetivos,
amorosos, são colocados como mínima perspectiva humana, há uma dúvida entre a
inutilidade da existência e a busca de sentidos na vida? No hedonismo não há
ideais, não há sonhos. É triste ver desde levas de jovens a adultos
substituindo a perspectiva da liberdade pelo consumismo, pela falta de
perspectiva, de futuro. Levas de gente parecendo querer fugir de si próprios. O
consumo nessa sociedade mercadológica demanda para a crença na substituição de
desejos por objetos frutos das tecnologias, onde a oferta da propaganda e uma
ordem implícita. O relativismo hedonista demanda para o pior, a neutralidade,
coisas como “eu não tenho nada a ver com isso”, apesar da barbárie e da
violência. Não há preocupação com os sentidos da vida nem com a justiça, tão
amorfos que nem são abordados pelos dramas existenciais. Claro, como se preocuparão
com dramas sociais , grandes e pulsantes temas como a liberdade e a busca da
verdade? Precisamos sair dessas bolhas malditas, encarar a alteridade, colocar-se no lugar dos outros/as,
é essencial para começar enfrentar e romper a ‘política do pão e circo’ que
assistimos hoje em nosso país. Neste Natal, como o ano todo, levas de gente
estão passando fome. De comida, de amor e esperança.
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