quarta-feira, 30 de abril de 2014

Violência, Silêncio e Impunidade

A cultura machista e patriarcal é o ancoradouro da violência contra as mulheres e a homofobia. Imaginem a quantidade enorme de mulheres que conhecemos, e até convivemos, que sofrem o assédio sexual, moral e o estupro nas suas aparentes relações ditas normais. Nos ambientes em que vivem, convivem e trabalham. O numero de mulheres, crianças e adolescentes violentadas é muito grande, os registros são inexpressivos sob o espectro do silencio e do medo. Pesquisa do IPEA sobre “Tolerância Social à Violência Contra as Mulheres”, com amostra aproximada de cerca de 3.810 mulheres, apresenta resultados alarmantes. Mesmo com o tal erro quando anunciou 65% de concordância com a pergunta  “ Se as mulheres usam roupas que revelam seus corpos, merecem ser atacadas?”, tendo corrigido de 56% para 26% de concordância, ficou parecendo que tanta gente concorda que 26%, o numero real, seria inexpressivo. Absurdo, então 26% seria normal e aceitável? É por demais preocupante também o pensamento dado em resposta na pergunta: “ se as mulheres soubessem comportar-se teria menos estupro” . É deplorável o percentual de concordância, porque na verdade mostra que há um entendimento de uma convivência natural na violência contra a mulher. Homem como cabeça do lar justifica a violência. O  cenário sexista é amplo. Somente uma em cada 10 mulheres vitima de estupro procura a polícia ou denuncia. É bem menor o numero das que chegam com processo na justiça contra estupradores. Mulheres são vitimas de 88%  dos estupros, onde 50,7% tem até 13 nos de idade; 19,4% entre 14 e 17 anos, e 29,9% 18 anos acima...Mais de 50% de crianças violentadas são vitimas mais de uma vez, ou muitas vezes. Quem são os agressores? Padrastos, 24,1%; membros da família, amigos ou conhecidos são 32,2%. O resto de agressores pela amostragem trabalhada é de desconhecidos. Esta cultura da violência aparece em concepções como:  “existe mulher para casar, e para a cama”; mulher casada deve satisfazer  sexualmente o marido ou companheiro, mesmo sem vontade” ( 38% responderam que sim). A resposta é de 92% favorável à afirmativa “ o que acontece com o casal em casa é entre 4 paredes”, contradizendo com a resposta de que 82% acha que os agressores devem ser presos. “ Em briga de marido e mulher não se mete a colher”, 78% concorda com esta afirmação. Outra: “ roupa suja se lava em casa”, 89% concorda. As mulheres são sempre culpabilizadas pela violência, assédio e estupro (inclusive crianças e adolescentes). Leis são suficientes para melhorar este quadro? É necessário investir em políticas públicas que incentivem a informação e direito das mulheres, sua proteção e acolhimento, sistema de informações e punição a estes crimes. É preciso que as investigações sejam rigorosas e conseqüentes, e que a Promotoria e o Juizado assegurem celeridade aos processos. É possível melhorar esta situação perversa. Começa pela denúncia, investigação e punição rápida e rigorosa dos criminosos.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Violência , crime e castigo



A violência contra as mulheres, as crianças e adolescentes, o estupro, cresce de forma impressionante. Para se ter uma idéia, a base de dados do SINAN-MS (Sistema de Informações de Agravos de Notificação) com dados sabidamente subregistrados, mostra (em 2011) 12.087 casos de estupro, (mulheres) no Brasil. Ocorre que só computam os casos em que foram procurados o serviço de saúde para atendimento. Temos de considerar que especialmente este tipo de violência, é marcada pelo silencio, pela ameaça e pelo medo. Não reconhece, por exemplo, a quantidade enorme de casos, maioria esmagadora, que são escondidos à força sob a nefasta cultura do machismo e do patriarcalismo. Existem infinidades de relatos, de casos com mulheres casadas estupradas sistematicamente por seus maridos ou companheiros com quem vivem juntos. Muitas vezes, se contarem, são ameaçadas de morte, e até mesmo seus familiares, mais um fator para se calarem. Em 2010, estas agressões entre adultos entre 20 a 59 anos, as mulheres perfazem 71%, sendo que em 40% dos casos o agressor mantinha ou manteve algum relacionamento afetivo com a agredida. Até 2012, 70% dos municípios brasileiros não tem serviço de registro e notificação destes crimes. Hoje está longe dos 50%. Em poucas capitais existe uma estrutura destes serviços, aqui em MT é bastante deficiente, restringindo-se a Cuiabá, ainda que com deficiências muito grandes. Constatei que não existe de fato um serviço qualificado de referencia em saúde para a mulher vitima de violência em Cuiabá. O serviço hospitalar aqui credenciado, com atendimento extremamente precário, sem apoio e assistência de profissionais da Psicologia, que só existe no papel. Faltam recursos humanos, treinamento e informação, desde as delegacias, onde eu vi recomendações até para a vítima não prosseguir na denuncia. Estou acompanhando casos de assédio e violência sexual contra crianças, poucos sabem que atos libidinosos são qualificados legalmente como estupro. Recente, uma vitima de 6 anos, agressor flagrado e contumaz. Levado à delegacia, foi solto por solicitação de seu “advogado”. Zomba da família, (quer fazer justiça com as próprias mãos) e o processo parado. Agressores impunes. É o caso do estupro coletivo (3 pessoas) que está em curso na justiça. Pior, quando surge o espectro machista do estupro corretivo( contra lésbicas, homossexuais, enfim, LGBT), que é executado também como castigo para quem não é heterossexual. Segundo pesquisa do IPEA ( 2011/2012) 15% dos estupros são cometidos por dois ou mais agressores. Os pouquíssimos que são levados à justiça, das formas mais cínicas e abjetas, culpam a mulher pelo estupro, desde a forma de se vestir e de se comportar, até ao fato absurdo de que “a pessoa não era mais virgem”.Raros processos conclusos, muito menos, punição rigorosa. O machismo é fundante destes crimes. É preciso estimular e apoiar as denuncias, identificar e punir exemplarmente os criminosos em uma estrutura pública, policial e  judiciária que dêem conta desta alastrada  violência. Ampliadas pelo medo, silencio e impunidade.   

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Cuiabá Viva



Verde que te quero verde! Nossa cidade, solapada e escangalhada em sua estrutura urbana. O emblema hoje é a obra faraônica do novo Estádio, já inaugurado, apesar de muito faltar para seu término. A cidade será agora literalmente interditada pela FIFA. Quem conhece o documento assinado de 27 paginas, impondo e alterando o modo de vida deste nosso lugar? Torna-se um tempo de exceção, o período máximo de 11 dias dos jogos da Copa do Mundo. Não existem outras autoridades senão a FIFA. Jogo de cena com a falta de infra-estrutura básica, rede viária de esgotos, lixo e seu tratamento, transporte e os mais básicos requisitos  de políticas sociais. Investimentos certos na repressão contra manifestações reivindicando melhorias sociais. A FIFA exige  um cordão de impedimento em torno de 2 Km do Estádio. E o Plano Diretor participativo? Peça estática, sem uma política conseqüente de ocupação do solo que leve em conta o conjunto da cidade e a área rural, sua diversidade cultural, social e carência de intervenções estruturais. Espaços privilegiados para os negócios da especulação imobiliária, interesses de grandes grupos financeiros na expropriação dos interesses públicos. “Minha casa minha vida” substituindo o BNH, atendendo interesses de lucro das empreiteiras. É o retrato da “Cidade dos Outros” peça da dramaturga Juliana Capilé ( Apresentou neste final de semana  no Palco Giratório em Fortaleza). É a cidade sem imaginário social, sem desejo, sem o sentimento necessário de pertencimento a algo. É atrair dinheiro, negócios, como se fosse uma empresa. Uma verdadeira anatomia da desumanização. Lixem-se os outros! O dinheiro, senão da corrupção, do clientelismo, poderá até cair dos céus ou do falseamento dos jogos da Loteria. É uma “roleta russa”. Adivinhem contra quem? Os outros, os excluídos. Negócio é negócio, nada de democracia, equidade e coletivo. Tudo se resolve individualmente e sob os interesses privados. Diriam: qualidade de vida, só para mim e meu grupo. Os negócios da FIFA mandam para o ar qualquer “bobagem” ou intervenção que beneficie os “outros”. É ignorado o real sentimento identitário do nosso povo, ignorado sob uma brutal manipulação midiática. Manipulam o amor pela cidade, pelo futebol, em beneficio do lucrativo negócio da empresa FIFA. Na “Cidade dos Outros”, cada negócio impõem o desrespeito às leis, aos direitos humanos, aos direitos dos cidadãos que continuarão vivendo nesta terra. Principalmente a maioria expressiva que não assistirá aos jogos e pagará a conta. Desde isenções fiscais, até o rombo que aparecerá nas finanças públicas, piorando as condições de vida da população. Responsáveis principais por isto: o Governo Federal, Estadual, os parlamentares em todos os níveis. É uma lástima a Assembléia Legislativa e a Câmara Municipal de Cuiabá. Como superar? Paredão? – não, é na política. Em que pesem desvios históricos, os municípios estão expropriados por uma política predatória. Precisamos de justiça social, ambiental e de representação política. Nossa cidade existe em nossa alma e imaginário. Podemos reconstruir a cidade dos sonhos possíveis. Salve Cuiabá!

Waldir Bertulio

Tristes Memórias



Tempos necessários de reflexão sobre o golpe civil-militar-empresarial na virada do 31 de março para 1ºde abril de 1964. Foi escolhido o “dia da mentira”, talvez não só porque não fora nenhuma revolução, mas também porque anteciparia as grandes mentiras que os golpistas sustentariam ao longo do tempo. Verdades incomodas e cruéis tem vindo à tona, contestando as versões oficiais e suas negativas a questões óbvias do regime de opressão. Na busca de recontar esta história oficial, revelações confirmando fatos arbitrários, perseguições, torturas, assassinatos, vitimando milhares de cidadãs e cidadãos brasileiros. O período 1964-85 deixou marcas profundas no cotidiano da sociedade brasileira, estabelecendo um divisor de águas na história do Brasil e da América Latina. Recente, as revelações macabras do Cel. Malhães, fatos repugnantes dos porões da ditadura. Ara que não fossem identificadas, deu até a técnica de jogar corpos nos rios de maneira que nunca fossem encontrados. Falou como se fosse natural cortar os dedos e a arcada das vítimas.  O lema sustentador foi o de calar à força as oposições ao regime instalado. Diga-se, todos aqueles que lutavam pelos princípios da Democracia, da Justiça e do confronto com as desigualdades em nosso país. A consolidação do autoritarismo e violência do Estado trouxe na Constituição de 87 instrumentos marcando o golpe final no Estado de Direito e das Instituições Democráticas. O Congresso Nacional foi dissolvido, suprimidas as liberdades individuais. Foi instalado um Código de Processo Penal Militar dando ao Exército Brasileiro e a Polícia Militar o direito de encarcerar e prender pessoas consideradas suspeitas, sem a possibilidade de qualquer revisão judicial. Foi instituída a Lei de Segurança Nacional, ainda hoje em vigor.  A estratégia do bipartidarismo, para garantir hegemonia partidária da ditadura, através da criação da ARENA, em um esdrúxulo jogo político do bipartidarismo. É preciso escancarar a memória soterrada destes tempos sombrios, prisões, perseguições, cassações, expurgos, exílios, tortura e assassinatos. Tantos, marcados pela violência pela vida toda, tantos que perderam a vida. Marcas indeléveis persistem nas famílias e amigos que lutam pelo direito de enterrar seus mortos. Não há futuro decente sem o reconhecimento das atrocidades cometidas. Memória, justiça, reparação e punição aos protagonistas, mandantes e executores dos horrores da ditadura. Pela verdade e pela memória!  
Waldir Bertulio