Habita outro plano, Gegé de Oyá.
Você, figura proeminente em nossa sociedade, que sonhou com uma família,
achando força na espiritualidade e na contenda com os reflexos da escravidão e
na sua ancestralidade. Esta que foi tão dura aqui na baixada cuiabana, e que
levou negros a serem jogados tal qual buchas de canhões ao morticínio da Guerra
do Paraguai, com a promessa de libertação. Você, que condoía com o sofrimento
da escravidão negra nas minas do Sutil. Como primeiro colunista social da nossa
cidade, saudado e bajulado pelas elites da terra na fotogenia narcísica dos
demandantes no desfile das colunas sociais. Mais do que isto, guia espiritual
até de curas, de reencontros, de amores clandestinos guardados a chaves possíveis
nas intempéries das falsas e reais relações amorosas, que levou tantos para
terreiros, a conhecer um pouco da crença na religiosidade afro. Que construiu
em terreno fértil a poética da resistência, do enfrentamento ostensivo das
diferenças, do conservadorismo e da intolerância. Enfrentou de peito aberto,
nunca recuando no orgulho à dignidade e na conquista dos seus desejos. Menino
que nasceu na síndrome da fome, no velho sertão de Rosário Oeste. Acolhido e
apoiado em pequeno, pela família Cuiabano. Que foi estudar Artes e Ofícios
desde o primário no Colégio São Gonçalo, já encantado com a arte da costura,
que continuou na antiga Escola Artífice. Gegé sempre se postou como um príncipe
negro, incorporando como marca em seu talento, criatividade, a estética e o
vestuário afro. Estudou, pesquisou, desde os trabalhos como alfaiate (dizia
costureiro), até a de colunista social badalado nas hostes ditas “chiques”.
Nunca deixou de lado as referências das famílias pobres e tradicionais em seus
textos. Sobretudo, sarcástico com as incoerências das superficialidades que
marcam um tipo de colunismo servil, mercantil e vazio. Tinha uma visão crítica
sensata e 'finória' da alta sociedade, sabendo que acumulou poder e força
através deste ofício, vendo isto como um instrumento de resistência em sua
ligação sincrética com o catolicismo e a religiosidade afro. Foi amigo desde
Dom Aquino, outras referências católicas em Cuiabá, até os núcleos de
Candomblé, Umbanda e Espiritismo. Referências como Dandi, Pai Edésio, Joãozinho
do Axé, Jojô, Robson e Seo Arlindo. Certa feita, em Brasília (levado por Isabel
Campos, amizade forte), foi recepcionado com honras de Chefe de Estado,
confundido com o Rei da Nigéria, que ainda não tinha chegado. Sua indumentária
afro era componente da sua arte e estética. Carnavalesco, sua presença era
marcante, o povo aplaudia em delírios, as crianças adoravam suas performances
nos velhos carnavais e batalhas de rua. Assinava ponto nas madrugadas em bares
e espaços como Choppão e Sayonara, passando por clubes como Operário, o Dandi,
Náutico, Grêmio Antonio João, além dos clubes Feminino e Dom Bosco. Sua entrada
foi vetada no Dom Bosco em uma comitiva dirigida pelo saudoso Mestre Batista,
que culminou com contendas e o encerramento da festa naquela noite. Quando
podia, “dava bananas” ao racismo e machismo da cidade, com o desprezo e
elegância de sempre, ele, que enfrentou centenas de hostilidades deswta
natureza.Também produziu na rádio Difusora o programa denominado “ Uma Rosa
para uma Dama Triste”. Gegé de Oyá foi fortemente identitário, píoneiro e
verdadeiro no seu pertencimento cultural, racial, no gênero e na orientação
sexual. Em tempos dificílimos. Sempre ancorado na religiosidade e no
sincretismo. Gegé de Oyá é história, memória e orgulho da nossa terra!
Waldir Bertúlio
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