sexta-feira, 29 de abril de 2016

Banalidade do Mal II

  1. 1- Nosso futuro político é uma zona cinzenta. A Câmara Federal ficou exposta na votação desse domingo na admissibilidade do impeachment em um verdadeiro cenário do absurdo. Precedido de negociatas de ambos os lados, desfile de baixarias, hipocrisia, em manifestações descoladas da causa em votação em um parlamento vergonhosamente paupérrimo, onde se defendem e cobram atitudes que jamais professaram. Isto é o ápice do tradicional jogo da demagogia. Investidos em cargos eletivos, o que menos interessa para a quase totalidade dos parlamentares e executivos é o que interessa realmente ao povo brasileiro. Raríssimos justificaram seus votos, mesquinharia, mentiras, falas bizarras para tentar naqueles segundos fisgar o voto do eleitor em seus currais eleitorais. 2- Fuga dos argumentos, neste deprimente espetáculo de horror, que trouxe no mínimo nojo a já esperada continuidade da prática de desprezo aos mandatos. Oportunismo ridículo e “mequetrefe”. Enfim, esses parlamentares foram eleitos, e certamente, a maioria obteve seus mandatos da forma execrável que conhecemos há tanto tempo, expostas pela justiça após o mensalão e na avalanche aberta pela Lava Jato. Apesar de os governistas afirmarem que o mensalão não existiu, e tentarem enterrar as investigações.atuais. Os tempos são sombrios, são outros. Ditadura, lutar para nunca mais ! Vivandeiras remanescentes e minoritárias, a declaração de voto do dep. Bolsonaro é repugnante, hedionda, fazendo apologia da tortura e assassinatos cometidos no regime de exceção. Merece processo e julgamento penal, além da cassação do seu mandato.  3- A filosofa Hanna Arendt mostrou que a partir do terror no totalitarismo do holocausto, é preciso imaginar e produzir ações com novas formas de pensar o mundo. Fala da crise política e da quebra da autoridade política .Tratou da crise a partir do séc. XX na obra “ Entre o Passado e o Futuro”, indagando qual seria a perspectiva do cenário futuro? Entendeu que nas crises se desenvolvem ações libertadoras. Portanto, tempo de construir e reconstruir rumos. 4- Em outra obra, “A Condição Humana” , considerada sua maior contribuição para a teoria política, coloca o fenômeno da alienação como principal característica da “modernidade”. Coloca uma teoria da ação, onde a atividade humana é a matéria-prima da vida política. Quer dizer, é na vida política que homens e mulheres experimentam sua capacidade de agir, de reagir, de intervir por seus interesses. Destacou dois elementos como papéis centrais da ação na abordagem da experiência política: a imprevisibilidade e a irreversibilidade ( o governo atual e anterior fez aliança e construiu a base aliada que quis, abrindo mão de princípios e trilhando caminhos desviantes). 5- Hannah fala que nunca somos senhores dos processos que desencadeamos com nossas iniciativas, e diferentemente do que ocorre no contexto com a natureza, não podemos desfazer as ações que começamos. Os únicos recursos para lidar com isso são a nossa capacidade de prometer e conseguir alguma estabilidade (fazer auto-crítica)}, rever e perdoar (a si próprios), para estabelecer um novo começo. 6- A perplexidade da abertura dos porões do mal no séc. XX, ficou marcada quando a autora foi cobrir a reportagem, em Jerusalém, do julgamento do nazista Adolfo Eichmann. Muita polêmica sobre o conceito de banalidade. Para nossos tempos, é compreender como naturalização do mal, enquanto ela falava dos motivos fúteis que levaram ao acometimento dos males na agenda política. 7- Naturalizar é sobrepor uma cultura de normalidade das violências perpetradas em nome do Estado e da política. Assim, adentramos na miséria política acumulada em nosso país. A naturalização da indigência nas representações políticas é um fio de meada. No prefácio do livro (de Hannah) “Homens em Tempos Sombrios”, ela retrata figuras proeminentes do séc. XX. Diz que essas personalidades são pequenas luzes a servir de orientação em épocas de crise, sofrimento e de perplexidade. 8- É preciso apoiar drasticamente nesta gravíssima crise que atravessamos a continuidade das investigações para que todos responsáveis por desvios sejam julgados e punidos exemplarmente. A começar imediatamente por Eduardo Cunha (por que o STF não o cassou ainda?), Temer e Renan. Que sejam devidamente impedidos de continuar defendendo a garantia da impunidade,tentando deletar a justiça dos seus calcanhares, prática também conduzida pelo governo, base aliada e quase totalidade dos opositores, em dissimulação permanente. Em MT, “a justiça vem mostrando sua cara”. Novidade promissora em nossa história política.É preciso que todos sejam investigados até as últimas consequências e devidamente punidos. Frente ao descrédito acumulado, levaremos quantos anos e talvez décadas para outra oportunidade de construir um país justo e democrático? Resta-nos  retomar a participação política, cuja falta nos conduziu a esta condição humilhante!  Refundar a esperança na política.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Banalidade do Mal I

“Todos os males da política decorrem de como são feitas as eleições”.  Por incrível que pareça, esta frase é de Dom Pedro II (1770). A crise que enfrentamos aqui no Brasil nos últimos tempos é um embate que chega até as últimas consequências, entre o falseamento da verdade, o cinismo e a prospectiva de ressuscitar um mínimo de ética pública. É preciso acumular esforço da população em busca de sanear a indigência na representação política. As alternativas colocadas neste cenário, desde o impeachment não são nada alvissareiras. A quase totalidade dos atores políticos, apresentam-se apenas rodiziando nas oportunidades de locupletação do poder, traições e continuidade da malversação pública. Raros se posicionam como alternativa à construção da decorosidade na política. Talvez só eleições gerais como saída, com renúncia de todos os mandatos, se assim for possível na constitucionalidade, sobretudo na soberania da população. Será possível uma eleição geral mais ou menos limpa aqui no Brasil - com a sanha da luta pela impunidade na corrupção ? A filosofa Hanna Arendt dizia que seu ofício era a teoria política, aprofundando no que chamou de “banalidade do mal”. Tratou do mal absoluto, ou mal radical, em seus efeitos bombásticos sobre a ética e a função do poder, a luz do nazismo e da sua condição judaica. Daí, fez análises abrangentes para sistemas em que todos tornam-se supérfluos. Para isto, seria preciso destruir a pessoa jurídica de homens e mulheres, para então acabar com suas individualidades e espontaneidades. Assim, tratar de sumir com a capacidade humana de ter iniciativas novas autonomamente. É a conspiração para que todos tornem-se supérfluos. O cidadão seria reduzido aos que atuam sob ordens, que obedecem cegamente e incapazes de pensarem por si próprios. A superioridade da obediência iria abolir a espontaneidade da criação, do enfrentamento, do confronto e da resistência. Nesta busca do potencial da ausência de pensamento, nessa opacidade, consciência rarefeita, é que surge a tragédia que a filosofa chamou de banalidade do mal. O fenômeno do mal na esfera política cabe como reflexão aqui, agora em nossos tempos. A partir do vazio ético no pensamento e na prática política, passando pelo fascismo, termo muito usado nos tempos recentes, aterrisamos na malfadada experiência brasileira dos tempos sombrios da ditadura. O último 31 de março e primeiro de abril, ficou engolfada e até esquecida neste ciclone de crise política que o país enfrenta. Estamos a 52 anos do “Golpe Civil-Militar-Empresarial”, que impôs uma escalada de violência do Estado Ditatorial no Brasil. Na progressão dos Atos Institucionais, o AI-5 fecha o Congresso, suprime o habeas corpus, extingue a legalidade jurídica e constitucional, escancarando as portas ao terrorismo do Estado, com a imprensa amordaçada. Milhares de perseguidos, exilados, torturas, assassinatos, mortos, desaparecidos, tantas famílias até hoje esperando encontrar os corpos de seus entes queridos para enterrá-los. Centenas de presos políticos espalhados pelas prisões, 10.000 exilados, 119 banidos espalhados pelo mundo, 4.877 políticos cassados, 263 estudantes expulsos das Universidades Federais pelo decreto 477. Neste período foi estreitado o conluio do Governo com empresariado, empreiteiras e projetos megalomaníacos sob os auspícios da malversação do dinheiro público. A mesma promiscuidade público-privado que apareceu na ditadura, hoje aflora com a Operação Lava-Jato, intensificando a bem-vinda luta contra a corrupção e a impunidade x a luta nefasta para continuar tudo como antes. A defesa irrestrita contra as investigações é absurda: se todos desviaram o dinheiro público, porque nós não podemos? É ridículo o argumento de golpe, quanto mais na boca dos que viveram os rigores da ditadura. É preciso sucumbir ao menos com a mínima dignidade, pois as regras do jogo e parceiros hoje contendores foram escolhidos pelo partido do governo e suas lideranças, para sustentarem-se no poder. Balcão de negócios a todo o vapor com o erário público a qualquer preço. Quem acredita que o partido do governo não tenha nada a ver com tudo que está acontecendo? Estamos a frente da banalização do mal e do cinismo. E agora?