terça-feira, 23 de abril de 2013

Conjuntura e Política II



A crise financeira global é prolongada, a sua dimensão apontando inequivocamente sua ancoragem estrutural. O receituário programado pelo Banco Central Europeu (BCE) e FMI tem um caráter imediatista e recorrente, centrado no ajuste fiscal. Uma das consequências é o aumento do desemprego com redução dos direitos trabalhistas e previdenciários. Na América Latina alguns países tentam intervir com mero assistencialismo para lidar com essa crise. No caso brasileiro, isto é efetuado como método de distribuição de renda. O que faz, na verdade, é consolidar maiores desigualdades sociais, com o rastilho do desemprego. Transfere renda, por exemplo, nos impostos ao consumo, sem mexer nos problemas estruturais, em um nivelamento por baixo. Ocorre ostensivamente uma enorme de capital. Na Venezuela, que tem no petróleo sua base econômica, apesar de nacionalizado, enfrenta crise de custos e endividamento, vez que é dependente de todos acordos com os monopólios internacionais na bacia do rio Orinoco. No Paraguai, o presidente Lugo foi derrubado por seus proprios aliados políticos. Alianças com os grandes capitais locais e as velhas oligarquias políticas sem limites (como está fazendo o governo petista no Brasil). Nestas circunstâncias, voltou ao poder o Partido Colorado, que reinou no país por 35 anos sob violenta ditadura. As intenções reformistas no Paraguai foram “águas abaixo”. Neste episodio, cobraram de Cristina Kirchner e Dilma Roussef apoio (contra a derrubada de Lugo) só no verniz, pois impossível quando protegem em seus países os mesmos interesses econômicos que controlam ou querem controlar das commodities (soja) até o subsolo das terras indígenas. A imprensa independente do Cone Sul mostrou que a companhia Rio Tinto, empresa canadense de mineraç      ão, esteve por trás do golpe. O Brasil, junto com a Argentina, em uma ação semi-colonial, beneficiam-se da expropriação energética (Itaipú/Yaciretá), com os preços determinados pelo mercado internacional, além do controle que exercem sobre a exportação da soja paraguaia, protegendo monopolios nacionais e internacionais. Neste macro-contexto de conjuntura internacional, nada difícil para detectar este receituário da gestão pública, especialmente macro-econômica e jurídico-política aqui no Brasil. A situação brasileira está bem distante de uma calmaria, apesar dos discursos oficiais tentando esconder as contradições da nossa realidade social, política e econômica. Na verdade, os governos Lula da Silva e Dilma Roussef consolidaram uma agenda neo-desenvolvimentista conservadora, ainda responsabilizando a tal herança maldita herdada do governo FHC, dela se apropriando, assumindo e aprofundando todo o eixo dos projetos e intervenções governamentais do governo anterior (maioria dos projetos receberam verniz com a troca de nome). O crescimento do PIB em 2013, em franca desasceleração com a queda do setor de serviços e intermediação financeira na briga pela queda de juros, aponta que a euforia econômica governamental antecendente era só “fogo de palha”. As instituições públicas de financiamento saltaram de 36,8% para 46,6%, tendo o ministro Guido Mantega anunciado a liberação de R$ 100 bilhões para o BNDES para 2013, dos quais R$ 45 bi sairão do tesouro nacional. O Banco Central, desde agosto de 2011, vem diminuindo a taxa de juros, com o objetivo de estimular o consumo e facilitar a negociação de dívidas das grandes empresas. Neste período, o crescimento do PIB caiu de 4,5% a 1% anualmente. Nesse mesmo período (2006-2012), o tesouro nacional injetou R$ 390,1 bilhões no BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. A taxa de investimentos veio caindo nos últimos cinco trimestres (4% em 2012). A produção industrial caiu 12,9% nesse período, e pela primeira vez nos últimos dez anos a indústria reclamou da queda na produção de automóveis. A rumorosa redução das tarifas de energia deixou escondido que entre 1995 e 2011 ocorreu um aumento além de 455% destas no custo ao consumidor, quando a inflação acumulou 234% no mesmo período. Mais uma falácia, essa redução propagandeada de 16,2% na energia. Se calcularmos os últimos 16 anos, o aumento das tarifas foi escandaloso. Os grandes consumidores são subsidiados em 30%, beneficiando setores que usam intensamente a energia (cimento, aço, ferro-liga, metais não ferrosos/alumínio, química, papel e celulose). Dilma Roussef exalta os dez anos da gestão petista e sua base aliada. Neste ufanismo, a presidente corre risco de assistir cair a credibilidade no que propagandeia. Assim a presidente, centrada na reeleição, cobra a lealdade dos partidos, anulando a tal faxina ética do início do governo (trazendo de volta os demitidos). Não há limites éticos para o uso da máquina pública e do orçamento fiscal brasileiro!

WALDIR BERTÚLIO

Cidade Verde? - I

Tatiana Horevicht em CIDADE DOS OUTROS - Cia Pessoal de Teatro


Tive o prazer de ver e ouvir artistas/cantores, músicos do mais alto nível, em celebração espontânea ao aniversário de Cuiabá. A musa canora Vera Capilé colocou sua voz reboando na desprezada e triste cidade velha, lá na Praça da Mandioca, em homenagem a Cuiabá, cancioneira e seresteira. Lá estava Mestre Bolinha, Júlio Coutinho e Márcia, Pio Toledo e Hellen, Guapo, e tantos outros. A fala poética e dramática na expressão do grande artista Neneto homenageando a Cuiabanália. A força cinematográfica de Glorinha Albues, trazendo às telas Liu Arruda, nosso ícone, junto com Glauber Rocha. Gomes está de parabéns por essa iniciativa, como grande protagonista da nossa arte na gestão do som da melhor qualidade, ampliando acesso para garantir música. Ele resolveu intervir sobre a grande “mancada” da Secretaria Municipal de Cultura, infelizmente alheia ao cotidiano das nossas raízes culturais, quando impôs uma exclusão dos nossos talentos musicais—imposição unilateral de megaapresentação dentro de uma só corrente musical, com participação também de grupos vindos de fora. Quanto custou? Nunca vi a Praça da Mandioca tão lotada de gente festando, dançando, cantando, e com tantos artistas de alto nível que temos em nossa terra. É preciso colocar esses eventos em mãos de quem conhece minimamente nossa encantadora diversidade cultural. Já bastava a suspensão do desfile de Carnaval, transferindo o desfile de escolas e blocos para agora, em função da negociação com a escola de samba carioca Mangueira. Estes tipos de eventos transformaram-se em objetos rigorosamente mercadológicos, onde potencialmente imiscuem-se em águas turvas o financiamento público com os interesses privados. Ouvimos também lá o belo samba-enredo do compositor e carnavalesco Davi. Transferência insensata, que esvaziou de fato a marca da tradição carnavalesca em nossa cidade. Não se tem idéia do que seja um marco cultural, muito menos os acalantos que habitam o imaginário social de nossa cidade e de nossa gente. Entendo que o retrocesso vai sendo ampliado desse jeito, com a tal visão empresarial que pode dar conta do mercado, não dos interesses coletivos. O que assistimos é “um tapa na cara” dos protagonistas e atores culturais da nossa terra. Ainda bem que os artistas resistem e enfrentam este cenário desfavorável, que amplia uma crise identitária em razão de áulicos que estão lixando-se para a nossa historia cultural, especialmente no acúmulo da qualidade e da participação social. Cultura, mexe com subjetividade, não é como produzir construções, porcas e parafusos. Precisa muito mais. É uma pena que isso possa revelar compadrio, interesses menores e excludentes. Quem sabe, por exemplo, que dentro da qualificada diversidade das nossas artes existe uma peça teatral de dramaturga da terra, “Cidade dos Outros”? Uma grandeza na sua complexidade, que expõe as vísceras dos dilemas e tragédias humanas de Cuiabá e todas as cidades do mundo. A peça tem tantas instâncias de interpretação, centradas no inconsciente coletivo e seus cenários emblemáticos em nossos ciclos de vida. Fala de hoje, do que estamos tratando, da estrutura comportamental e divergente dos nossos padrões de relações, incorporando em uma só peça e roteiro tantas histórias e verdades, em um passeio de miscigenação entre a realidade e a ficção. Um quebra-cabeças, que deveria ser de desdobramento até para uma nova linguagem teatral, podendo dispensar palavras, sobrepondo e valorizando a concretude, a superposição de revelações, sons e movimentos. Expressão do teatro contemporâneo, que deveria estar percorrendo por vários lugares nestes tempos, como a dizer que a evolução/involução, o crescimento/fenescimento nos padrões da estrutura e funcionamento da nossa cidade, agem contra as pessoas que nela vivem. É esta a dinâmica da cultura que buscamos nas artes: romper com a mesmice, com nossa abominável submissão e apatia, e mesmo com o desprezo e a ignorância do outro, enquanto sujeito da construção da decência, alegria e felicidade. Qual outro? Aqui, pode ser o povo excluído, o Estado, o poder público em sua incúria política, fechando os olhos à luta pela sobrevivência e dignidade. Imaginem a distância que estamos em ver a descentralização efetiva da cultura como corolário das políticas públicas. Ir ao povo onde ele está, nas suas singularidades. Assim, Cuiabá é a expressão típica da “Cidade dos Outros”, que tive o prazer de assistir mais uma vez lá no SESC-ARSENAL. É impressionante o desempenho das duas artistas (Juliana Capilé e Tatiana Horevitch), que nas suas interpretações podem até dispensar a escrita, em expressões corporais falando dos nossos dilemas, da ética perdida, e dos nossos lugares de vida. Pois é, Cuiabá é nosso lugar de vida. É possível lutar contra a sua desfiguração estética e social. Saudações aos que amam e lutam por esta terra.

WALDIR BERTULIO

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Conjuntura e Politica I

Salário dos Poetas, de Ricardo Guilherme Dicke, dirigido por Amauri Tangará


Trago reflexões e síntese das análises por nós efetuadas no âmbito da Associação Nacional de Docentes Universitários em seu Congresso anual realizado no início de fevereiro no Rio de Janeiro, onde elaborei e defendi individualmente duas teses aprovadas em Plenária. Estamos frente à maior crise pós 2ª Guerra Mundial, abrindo gastos de trilhões de dólares pra salvar grandes bancos e/ indústrias, na tentativa de salvar grandes do colapso econômico global. Aos moldes da depressão  de 1929, dos anos 30. Desde 2008 a crise manifesta-se da mesma forma, na pressão para investimentos públicos no setor privado, na abertura ilimitada ao sistema rentista, que usufrui da dívida pública frente ao crescimento do déficit fiscal das maiores  economias mundiais, estendendo  a crise por toda Europa. Cenário: cortes nas políticas sociais, ajustes fiscais, recessão na zona do Euro, sob o comando do  Banco central Europeu, Comissão Européia e FMI.  Foram para o “brejo” as conquistas do Estado do Bem Social Europeu, em uma avassaladora crise social, econômica e política.  Arrastou a Espanha, Portugal, Grécia, Itália e países do Leste Europeu  até países fortes no cenário do capitalismo mundial como a Alemanha e a França, com suas economias em desaceleração. A China, plataforma de investimentos e exportação de economia mundial, também com a economia em desaceleração. A ponto de preferir investir em ativos financeiros do que commodities. Por isso, economias como a brasileira e a Argentina tem que “colocar as barbas de molho”, já ao ritmo galopante da desaceleração das suas economias, ( crescimento no Brasil  foi de 75% em 2010, 2,7% em 2011 e menos de 1% em 2012, com cenário difícil para 2013). Os EUA atuam apoiadas na sua condição de maior economia mundial e proprietários do dólar em favor dos seus investimentos no enfrentamento da crise, impondo maior fase de deslocamento geopolítico mundial. (Na série de artigos de janeiro passado, argumentei que o nascedouro da crise é na realidade nos EUA, emissão de moedas, papéis podres, bolha imobiliária). Com isto, o alastramento dos fracassos orçamentários e conflitos monetários.  Ainda em andamento choques  políticos ampliados com a entrada de novos atores regionais nas negociações. Aprofundamento do cenário como a abominável carnificina na Síria e a violência crônica e sem limites contra o povo Palestino. Washington está estendendo sua ação para a região Asiática do Pacífico, Oceano Índico, pressionando países do Sudeste Asiático como Japão, Coréia, Singapura. Até mesmo a Malásia, que sempre esteve a incorporar-se nesta Aliança. Assim, 2013 brecou o avanço da crise nos centros capitalistas, EUA, Europa, Japão, confirmando ser esta a maior crise desde 1929. oriunda da quebra do Sistema Financeiro, a turbulência das dívidas públicas atinge especialmente a Grécia, hoje com ¼ dos trabalhadores desempregados, com o acesso de saída da zona do Euro e até a tendência de decretar moratória. Grécia, Espanha, Itália e Portugal, cenários instalados de desemprego, queda de salários e perda de direitos sociais. (Algo a ver com o Brasil?). na  França, a eleição de Hollande representou o desgaste do governo ultraconservador e seus pacotes recessivos. O novo Presidente impôs aumento de imposto, especialmente para ricos e empresas, para viabilizar mais gastos com a educação, criação de mais empregos públicos para viabilizar aos que começam trabalhar as 18 anos aposentarem aos 60 anos, e não aos 62, conforme reforma de aposentadoria aprovada por Sarkosy.  O governo Dilma Roussef segue caminho inverso, além de sustentar o efeito “marolinha” de Lula da Silva, sustenta o objetivo dos grandes investidores e empresários, impondo graves perdas sociais e trabalhistas ( Fator previdenciário, Acordo Coletivo( ACE), perdas nos direitos de aposentados, desmonte de carreira pública, além de sustentar a “legalidade” da corrupção ). O Brasil e Mato Grosso, sustentados no projeto expressionista da China nos últimos10 anos, via commodities, tem este ciclo ameaçado do risco de exaustão. Saída importante é o caminho da soberania, com a criação da Comunidade de Estados Latino Americanos e Caribenhos (CELAC), passo estratégico para macro integração do nosso continente. Assim é fundamental a articulação e implementação do MERCOSUL. Movimento contrário vem da articulação da Aliança do Pacífico, ( México, Colômbia, Peru e Chile com os EUA). A América Latina sofre intensamente os impactos da crise mundial, colapso do sistema financeiro, sob fortes impactos com as recessões oriundas de 2008-2009. Os governos do México, Brasil e Peru foram socorridas ( falácia do pagamento da dívida externa divulgada por Lula da Silva) por créditos de emergência do Federal Reserve Bank(EUA) e pelo Banco Central da China. No Brasil, acentuou-se o regime de produção e exportação primária, impondo retrocesso relativo à industrialização forçando uma grande dependência, tanto financeira quanto tecnológica  e a cobertura unilateral ao mercado mundial (commodities), com retrocesso relativo no mercado interno e suas correntes políticas de abastecimento. Além disto, a crise mundial impôs retrocessos ao MERCOSUL , com a política monetária condicionada pelo Federal Reserve Bank. O governo Dilma Roussef toma medidas meramente cosméticas na economia, “envernizadas” pelas políticas assistencialistas, aos moldes autoritários que nosso  magnífico escritor Ricardo Guilherme Dicke trouxe brilhantemente em sua obra “ Salário do Poetas”, colocado dramaturgicamente pelo ator, diretor, dramaturgo, cineasta Amaury Tangará. A crise  internacional está aqui, sob nossos pés, na incúria política, aprovada pelo cinismo da corrupção e da impunidade. Lula da Silva, Dilma Roussef, o PT e sua base aliada, unidas a Deus e ao Diabo no estiolamento ético ilimitado para manterem-se no poder. As entranhas deste cenário miram as eleições  de 2014. Resistiremos?

Waldir Bertúlio, professor da UFMT