Outra vez temos que
aguentar um presépio de Natal absolutamente descolado da nossa cultura, claro, sob
encomenda e concepção das “cabeças do Paiaguás”. Ridículo! Apesar de sabermos que o Natal é uma marca em
nossa memória social, zombam da criatividade de nossas crianças e do nosso bom
gosto. Existem experiências criativas aqui em MT, desde ações dos artistas da
UFMT. As comemorações do Natal passam para mim entre a nostalgia e a ternura.
Saudades da infância e adolescência. Da minha mãe, do meu pai, dos meus avós,
das pessoas amadas que nos deixaram e permanecem marcadas em nossa vida.
Saudades dos presépios, obras de arte da Praça Bispo Dom José, da Rua XV no
Porto. Das rodas de Cururu nos sítios de Livramento, no Acuri, na beira do Rio
Bento Gomes, no Morrinho, onde vivia o povo do meu pai, saudando em desafios o
nascimento de Jesus. Dos folguedos e rodas de Siriri, alegres, coloridos e
pulsantes como a revoada de “maritacas”. Das revoadas de siriris, insetos
alados transmutados em sua dança de sedução. Das evoluções, cantos e músicas do
Boi à Serra, de Santo Antonio, até Souza Lima e Praia Grande. Dos cerrados úmidos de Várzea Grande,
Livramento e Santo Antonio, cheirando a mato, muito Pequi, Ingá, perfume
delicioso de frutas como o Arachicum, a Marmelada espinho, a Marmelada bola, o
Siputá, a Coroa de frade, o Cascudo, as disputadas Mangavas, de onde também
tirávamos látex dos seus troncos para fazer bola de futebol. Nos quintais,
mangas de todos os tipos, goiaba, araçá, pitomba, tarumã e os frutos do cumbarú
nos terreiros, com tacurus e panelões para a comilança festiva, varando até o
início do ano. Fartura de peixe, em “cambadas”, aves, suínos criados nos
quintais. Alguns não comiam aves no final do ano porque “ciscavam para trás”, poderia
dar atraso de vida. Destes tempos de memória eu sei o cheiro de frutas e de
gente. Mato assim a saudades dos meus filhos e netos que estão distantes. A
minha mulher amada tem o cheiro de mangava, para mim, a fruta mais saborosa do
cerrado. Pena que, como Siputá e a Coroa de frade, estão mesmo em extinção. No
Nordeste todas estas frutas viram fonte de renda, aqui tudo é destruído, até o
pequi está nesta caminhada. A pesquisa é uma demanda só do agronegócio, do
mercado em escala e exportador. Insetos polinizadores são exterminados pelos
venenos, e adoecendo silenciosamente o solo, as plantas e a população exposta,
desde pelo menos 25 anos atrás, com a transferência do modo de produção do
Centro Sul para nosso cerrado e Amazônia. Precisamos acreditar em outras
possibilidades. Mas como? Reli a história do rei Ricardo III em Shakespeare, os
“exemplos de maldade, cinismo, corrompimento, canalhice e descompromisso como
homem público”. Tudo a ver com a maioria dos políticos do Brasil e de MT; não
representam o povo, mas, a si próprios. Desacreditados. Seria um bom presente
se alguma fada com sua varinha mágica os transformassem em gente decente e
honesta. Podemos reagir, sim. Bom mesmo é falar de amorosidade, de compartilhamento, do
respeito às outras (os) . O amor moderno
e pós moderno vem declinando em sua verdade e força motriz de vida, na medida
em que torna-se descartável e objeto de consumo. Temos que nos reidentificar
com o amor, retirando-o da fugaz arte dos desencontros. Tenho visto e convivido
com pessoas sozinhas, solitárias e com imensas dificuldades de aprofundar as
relações afetivas. As pessoas encontram-se, apesar de quererem, perdem o fio da
meada quando as fímbrias do amor estão adormecidas. Muita angústia, dor,
sofrimento, alegrias fugazes e pontuais, parecendo que as relações amorosas
podem servir ao menos como “mercadoria de troca”. Culpa, indignação,
dissimulação e alegrias transitórias. É preciso reaver o tesouro da esperança, o
amor verdadeiro. No pensamento judaico cristão, a culpa é inevitável. O
filósofo Heiddeger diz que há “uma culpa essencial”. Será? Hoje, com a agenda
de festas, retornei do meu périplo, visitação a parentes “rio abaixo”. Saúdo
aqui as Marias, encontrei uma em meu retorno, 12 anos, com o avô de 70, com
dores lancinantes na coluna, arrastavam-se para irem ao Pronto Socorro de
Várzea Grande. Ela, com grande corte profundo acima do tornozelo, rasgado pelo
portão enferrujado. Ofereci carona aos dois. O Pronto Socorro de VG não tinha
nem gaz e nem fio de sutura para o atendimento, mandaram para o Posto do Verdão
em Cuiabá, que fez procedimentos, mas não tinha antitetânica. De volta ao PS de
VG, lá estava do mesmo jeito, sujeira, pilhas de gente dolorida em longa espera,
encaminharam para aplicar antitetânica daí a 2 dias, em uma Policlínica, pois
não abrem nos fins de semana, feriados, e não tem plantão. Detalhe: continuava
apenas 1 médico de plantão no Pronto Socorro e a fila aumentava. O que dizer do
atendimento geral na saúde nesta cidade? – historicamente expropriada na
usurpação das finanças e no abandono. Troca só discurso, políticos “cobras
criadas”, todos da mesma cultura de grupos que tiveram governadores,
parlamentares em todos os níveis. Mas sempre os mesmos, ou seus prepostos, que
nada fizeram por esta cidade, senão enriquecer a si próprios, saídos do nada
financeiro e depois, claro, ricos e milionários, poderosos pelo dinheiro,
esvaziados de ética e moral.Podem ainda tentar mandatos, receber homenagens com
seus nomes em praças, vias e logradouros públicos, confirmando que suas “crias”
estão multiplicando-se tentando passar um apagador nas malfeitorias para terem
a imagem de “boa gente”. Minha contenda de andança continua. Chego ao Abrigo do
Bom Jesus, uma idosa faleceu naquela manhã. Foi acolhida judicialmente até o
óbito, em 3 dias. Por denuncia de vizinhos a idosa vinha sendo maltratada
sistematicamente. Portadora de Alzheimer, descuidada pela família, a causa de
intervenção real foi porque levou uma surra do filho (advogado e alcoólatra).
Teria que ser hospitalizada certamente. Veio rapidamente a óbito, meio a
atônitos idosos e técnicos que deram-lhe carinho e cuidados paliativos. Lá é o espaço onde se
enfrenta a profundeza abissal do
abandono e solidão na velhice. Apesar de
tudo, maioria sonha em ter família, voltar para casa, ao menos receber o
aconchego de uma visita. Quando? Alguns ainda pensam que será no próximo Natal
e Ano Novo.
Waldir Bertúlio