quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Conjuntura/Cenários 2013/2014-V


Fato novo de realce no país em 2013 foi à onda de protestos que varreu o país em Junho passado. Inicialmente pareceu que exerceria efeito na política, qual nada! Atônitos com as manifestações, políticos apressaram em dar resposta a população que clamava: “Não acreditamos em vocês”. É só passar os olhos por cima no que aconteceu de lá até agora, para constatar que a resposta política foi “fogo de palha”. Esqueceram rapidamente das medidas que poderiam e deveriam ser tomadas. Das cinco medidas anunciadas pela Presidente, nada de concreto, diluídos na antecipadíssima sanha de poder eleitoral, principalmente no combate a corrupção e melhoria dos serviços públicos. No palco, toda máquina pública para uso sem restrições, como a patente de banco para o grupo AMMAGI. Os investimentos de infraestrutura, mobilidade urbana, educação e saúde continuam nas marcas da subaplicação. Ralos de corrupção nas obras da copa para atender a estética da FIFA, das empreiteiras e conglomerados financeiros, arrastando-se como “a mãe do PAC”, se conseqüente, não gostaria que fosse. Acabou agora exibindo extenso nariz de Pinóquio para a elite capitalista no Fórum de Davos. Argumentam que os gastos faraônicos dos megaeventos (Copa de Confederações, Olimpíadas 2016) terão como principal saldo a “institucionalização dos novos esquemas de segurança”. Choques com a polícia supermilitarizada, buscando colocar movimentos sociais como vítimas e bodes expiatórios. Escalada que neste ano poderá ensejar um palco de guerra nas praças, ruas, shoppings, na repressão e beneplácito de alas da justiça para manter o povo exilado nas periferias. Para a grande imprensa, até 13 de Junho eram “vândalos” nas ruas. No dia 17, data da virada, já eram “manifestantes” que ocuparam as ruas em mais de 600 cidades. Argumentos inconsistentes para condenar a violência, que vem primeiro dos braços do Estado. Enquete mostrou que grande parte dos “Black Blocs” no Rio eram filhos, parentes, ou os próprios ambulantes que foram retirados das ruas no seu ganha pão. Os significantes dos “Rolês” é que a periferia pede passagem, expressando importante momento da sua identidade: “... Nós somos da periferia, não temos vergonha disto”. Ora, isso não é de hoje, a cultura do hip hop, rap, break, funk, carreiam este sentimento de orgulho ao expor a cultura da periferia. Aqui em Cuiabá, Linha Dura, Taba, os mestres da capoeira são elementos subsidiadores desta reidentificação. A demanda é contra o Estado corrupto, repressivo e excludente. Contra o racismo e toda a representação e regime político.Será que o imaginário social no “Rolezim Cuiabano” não está vivo ainda com o assassinato impune de um cidadão “diferente”pela segurança do Shopping Goiabeiras?Os pressupostos do “tarifaço” adentram a agenda de 2014. Governantes e políticos não estão levando isto a sério. Ressoa ainda o grito de mais que 30 mil pessoas nas portas da AL em Cuiabá: “fora Riva, fora Silval!” Não enxergam os que confiam na impunidade.
WALDIR BERTÚLIO

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Conjuntura IV


O ano de 2014 já é antecipado como “ano morto” na gestão pública: eleições, copa do mundo, abrindo-se à folia carnavalesca. Políticos viajando direto pelas “bases”, desde a anunciada agenda presidencial, ao governo de Mato Grosso, obviamente, no embate sem limites da campanha eleitoral. Enquanto isso, estimula-se a opacidade da lei de transparência, em todos os níveis de governo. Não se consegue obter informações precisas nos portais para efeito de conhecimento, comparação e avaliação. Aqui em Mato Grosso a dificuldade é grande, aprofundando no arremedo de transparência, dificuldades deliberadas de acesso a informações sobre gastos públicos e sua eficácia. Pesquisas mostram que os melhores sistemas são acessados com menos “cliques” nos portais oficiais. A ONG Contas Abertas, quando consegue divulgar gastos duvidosos, é ameaçada de ser processada por agentes públicos. Absurdo as empresas estatais não serem sujeitas a Lei de Acesso a Informações. Negam-se acessos a dados com argumentos tipo: “ segredo de mercado”. Se na administração direta temos dificuldades enormes de acessar informações qualificadas, imaginem em outros espaços que deveriam ser controlados pelo Estado. Clubes de futebol por exemplo, arrecadam em nome do torcedor (a CEF é importante patrocinadora) seus orçamentos deveriam ser publicizados, como também as igrejas. Até fiéis e torcedores tem direito de saber quanto é arrecadado e como é gasto o dinheiro. E as isenções fiscais? Abrem-se portas para os maus políticos, como no caso da retirada do poder de investigação dos promotores/procuradores, cerceando, em mais uma ofensiva, o poder de investigar crimes eleitorais. O TSE restringiu esta ação ao juizado eleitoral. Só esta instancia poderia autorizar ou pedir abertura de inquérito policial em denuncias de crimes eleitorais. É preciso reverter esta situação, pois o MP atua em nome do eleitor. Sua atuação pode agilizar coisas como apuração de compra de votos, fraudes, uso da máquina pública e tantos outros crimes históricos e crônicos. Em dezembro de 2012 venceu o prazo estabelecido pelo CNJ (meta 18) para cumprir julgamento de processos por improbidade administrativa e contra a administração pública movidos até 2011. A próxima meta é para processos até 2012. O último levantamento aponta média cumprida em torno da metade do que foi estipulado. Mato Grosso, certamente em condições nada favoráveis. Isto influenciaria o controle de “fichas sujas”. Quem quer eleições menos transparentes neste ano?

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Memórias no Tempo



Outra vez temos que aguentar um presépio de Natal absolutamente descolado da nossa cultura, claro, sob encomenda e concepção das “cabeças do Paiaguás”. Ridículo!   Apesar de sabermos que o Natal é uma marca em nossa memória social, zombam da criatividade de nossas crianças e do nosso bom gosto. Existem experiências criativas aqui em MT, desde ações dos artistas da UFMT. As comemorações do Natal passam para mim entre a nostalgia e a ternura. Saudades da infância e adolescência. Da minha mãe, do meu pai, dos meus avós, das pessoas amadas que nos deixaram e permanecem marcadas em nossa vida. Saudades dos presépios, obras de arte da Praça Bispo Dom José, da Rua XV no Porto. Das rodas de Cururu nos sítios de Livramento, no Acuri, na beira do Rio Bento Gomes, no Morrinho, onde vivia o povo do meu pai, saudando em desafios o nascimento de Jesus. Dos folguedos e rodas de Siriri, alegres, coloridos e pulsantes como a revoada de “maritacas”. Das revoadas de siriris, insetos alados transmutados em sua dança de sedução. Das evoluções, cantos e músicas do Boi à Serra, de Santo Antonio, até Souza Lima e Praia Grande.  Dos cerrados úmidos de Várzea Grande, Livramento e Santo Antonio, cheirando a mato, muito Pequi, Ingá, perfume delicioso de frutas como o Arachicum, a Marmelada espinho, a Marmelada bola, o Siputá, a Coroa de frade, o Cascudo, as disputadas Mangavas, de onde também tirávamos látex dos seus troncos para fazer bola de futebol. Nos quintais, mangas de todos os tipos, goiaba, araçá, pitomba, tarumã e os frutos do cumbarú nos terreiros, com tacurus e panelões para a comilança festiva, varando até o início do ano. Fartura de peixe, em “cambadas”, aves, suínos criados nos quintais. Alguns não comiam aves no final do ano porque “ciscavam para trás”, poderia dar atraso de vida. Destes tempos de memória eu sei o cheiro de frutas e de gente. Mato assim a saudades dos meus filhos e netos que estão distantes. A minha mulher amada tem o cheiro de mangava, para mim, a fruta mais saborosa do cerrado. Pena que, como Siputá e a Coroa de frade, estão mesmo em extinção. No Nordeste todas estas frutas viram fonte de renda, aqui tudo é destruído, até o pequi está nesta caminhada. A pesquisa é uma demanda só do agronegócio, do mercado em escala e exportador. Insetos polinizadores são exterminados pelos venenos, e adoecendo silenciosamente o solo, as plantas e a população exposta, desde pelo menos 25 anos atrás, com a transferência do modo de produção do Centro Sul para nosso cerrado e Amazônia. Precisamos acreditar em outras possibilidades. Mas como? Reli a história do rei Ricardo III em Shakespeare, os “exemplos de maldade, cinismo, corrompimento, canalhice e descompromisso como homem público”. Tudo a ver com a maioria dos políticos do Brasil e de MT; não representam o povo, mas, a si próprios. Desacreditados. Seria um bom presente se alguma fada com sua varinha mágica os transformassem em gente decente e honesta. Podemos reagir, sim. Bom mesmo é falar  de amorosidade, de compartilhamento, do respeito  às outras (os) . O amor moderno e pós moderno vem declinando em sua verdade e força motriz de vida, na medida em que torna-se descartável e objeto de consumo. Temos que nos reidentificar com o amor, retirando-o da fugaz arte dos desencontros. Tenho visto e convivido com pessoas sozinhas, solitárias e com imensas dificuldades de aprofundar as relações afetivas. As pessoas encontram-se, apesar de quererem, perdem o fio da meada quando as fímbrias do amor estão adormecidas. Muita angústia, dor, sofrimento, alegrias fugazes e pontuais, parecendo que as relações amorosas podem servir ao menos como “mercadoria de troca”. Culpa, indignação, dissimulação e alegrias transitórias. É preciso reaver o tesouro da esperança, o amor verdadeiro. No pensamento judaico cristão, a culpa é inevitável. O filósofo Heiddeger diz que há “uma culpa essencial”. Será? Hoje, com a agenda de festas, retornei do meu périplo, visitação a parentes “rio abaixo”. Saúdo aqui as Marias, encontrei uma em meu retorno, 12 anos, com o avô de 70, com dores lancinantes na coluna, arrastavam-se para irem ao Pronto Socorro de Várzea Grande. Ela, com grande corte profundo acima do tornozelo, rasgado pelo portão enferrujado. Ofereci carona aos dois. O Pronto Socorro de VG não tinha nem gaz e nem fio de sutura para o atendimento, mandaram para o Posto do Verdão em Cuiabá, que fez procedimentos, mas não tinha antitetânica. De volta ao PS de VG, lá estava do mesmo jeito, sujeira, pilhas de gente dolorida em longa espera, encaminharam para aplicar antitetânica daí a 2 dias, em uma Policlínica, pois não abrem nos fins de semana, feriados, e não tem plantão. Detalhe: continuava apenas 1 médico de plantão no Pronto Socorro e a fila aumentava. O que dizer do atendimento geral na saúde nesta cidade? – historicamente expropriada na usurpação das finanças e no abandono. Troca só discurso, políticos “cobras criadas”, todos da mesma cultura de grupos que tiveram governadores, parlamentares em todos os níveis. Mas sempre os mesmos, ou seus prepostos, que nada fizeram por esta cidade, senão enriquecer a si próprios, saídos do nada financeiro e depois, claro, ricos e milionários, poderosos pelo dinheiro, esvaziados de ética e moral.Podem ainda tentar mandatos, receber homenagens com seus nomes em praças, vias e logradouros públicos, confirmando que suas “crias” estão multiplicando-se tentando passar um apagador nas malfeitorias para terem a imagem de “boa gente”. Minha contenda de andança continua. Chego ao Abrigo do Bom Jesus, uma idosa faleceu naquela manhã. Foi acolhida judicialmente até o óbito, em 3 dias. Por denuncia de vizinhos a idosa vinha sendo maltratada sistematicamente. Portadora de Alzheimer, descuidada pela família, a causa de intervenção real foi porque levou uma surra do filho (advogado e alcoólatra). Teria que ser hospitalizada certamente. Veio rapidamente a óbito, meio a atônitos idosos e técnicos que deram-lhe carinho e cuidados  paliativos. Lá é o espaço onde se enfrenta  a profundeza abissal do abandono e solidão  na velhice. Apesar de tudo, maioria sonha em ter família, voltar para casa, ao menos receber o aconchego de uma visita. Quando? Alguns ainda pensam que será no próximo Natal e Ano Novo.
Waldir Bertúlio