Em 1988, o Movimento Negro do
Brasil reuniu 11.000 pessoas em manifestação contra os festejos oficiais do
centenário da Lei Áurea. Contra a versão oficial sobre o fim pacifico da
escravidão, deixando de lado a verdade da luta e resistência do povo negro. Dos
interesses escusos dos escravistas na manutenção de seus lucros, conforto e
riqueza com sangue, crueldade e violência geradas pela escravidão no Brasil.
Leis absurdas como a do Sexagenário , onde os escravos idosos já não mais serviam
para o trabalho, por isso queriam uma forma de livrarem-se do custo de sua
manutenção. Colocá-los no “olho da rua”, sem terra, sem trabalho, excluídos da
terra, como foi a intenção decisória da Lei Áurea, apesar da ferrenha luta
abolicionista no Brasil. Fomos o ultimo país a abolir a escravatura. Com a
Abolição, a mercê da miséria, da fome e da violenta discriminação (a Lei Áurea
esqueceu de mandar assinar os contratos de trabalho ou concessão de terras e
meios de produção aos ex escravos). Muitos
procuraram quilombos, ou aderiram a núcleos de luta como a de Antonio
Conselheiro, ainda em 1888, na luta e enfrentamento de Canudos, refletidos na
luta de Zumbi dos Palmares, assassinado em 1695. A data que o Movimento nega é
o 13 de Maio, comemoramos 20 de novembro, centrado neste herói da luta
pela liberdade, no Dia Nacional da Consciência Negra (20/11). Especialmente em nome da bancada
ruralista e de grandes empreendimentos, empreiteiras, tentam desregulamentar a
criminalização do trabalho escravo, como com a desregulamentação dos direitos
às terras remanescentes de quilombo. Isto caminha no sentido de desqualificar e
manter a impunidade em práticas hediondas de exploração humana. A pós-escravidão
está presente e secularmente crônica nos índices de pobreza, educacional,
desemprego, subemprego, e de expectativa de vida da população negra em nosso
país. A investida e a propaganda deste governo são vistas na falácia da “nova
classe média”; uma venda de ilusão de ascensão social e conquista de direitos
que não resiste a uma análise da realidade. Vejamos o caso do IDH: um ano antes
do PT ocupar o poder, o “Brasil Branco” ocupava a 47ª posição entre as nações
mais desenvolvidas, e o “Brasil Negro’ ocupava 107ª posição do ranking. Dez
anos depois este abismo continua praticamente o mesmo, já previsto por
pesquisas do IPEA há mais de 12 anos. Pesquisa efetuada em 2009 mostra que
condições de moradia, saúde, educação e saneamento básico da população branca a
colocaram no 40º lugar, e a população negra em 140ª posição no ranking. Mais trágico,
dados oficiais da Secretara de Promoção da Igualdade Racial(SEPPIR) mostram que
a cada 25 minutos um jovem negro de 15 a 25 anos morre de forma violenta Em 2002, morriam 45,28% mais negros que
brancos nesta faixa etária, saltando em 2010 para 139%. No mesmo período
(2002-2008), caiu o numero de vitimas brancas em 22, 3%, sendo que dos negros
subiu para 20.20%. As estatísticas oficiais disponíveis são do Sistema de
Informações de Mortalidade (SIM) Ministério da Saúde/SUS, e o mapa da violência
de 2012. Na violenta guerra do Iraque entre 2003/2009, morreram 110 mil
pessoas, 15.700 por ano. No Brasil, são assassinados o dobro de negros todos os
anos, mais do que o triplo( 52.260 mortes) em 2010. É estarrecedora e macabra a
relação entre queda de homicídios na população branca e o grande aumento na
população negra. Morrem 2,5 vezes mais negros que brancos. Para nossa vergonha,
Mato Grosso conquista mais um cetro: é um dos 8 estados que ultrapassaram 100
homicídios por cem mil jovens negros. Níveis acima de 100 mil caracterizam uma
epidemia de violência. Todos estados brasileiros superam este índice! Por que
será? Homicídio no Brasil não tem cor? Este
abismo racial revela-se particularmente nas condições de vida da população
negra. Dados do IPEA mostram que em 2010, 63% dos negros e negras viviam abaixo
da linha de pobreza. Neste mesmo ano, o analfabetismo entre brancos com mais de
15 anos era de 5,9%, já entre os negros,14,4%. Mais grave é a situação das
mulheres negras expostas a violência, precarização das condições de vida e de
trabalho. Pelos indicadores oficiais, ocorre na verdade uma super exploração do
trabalho, da mão de obra da população negra. Para a concepção eurocêntrica e
racista, o cidadão ideal brasileiro deve ser homem branco, com propriedade,
cabeça de família, heterossexual. Essa é a cara do nosso racismo multifacetado
que percorre gênero, sexualidade, etnia e classe ou grupo sociais. Para a
maioria da elite brasileira, e infelizmente a acadêmica, não existiria racismo
no Brasil. É negar a história, a realidade e as próprias estatísticas e
indicadores das instituições oficiais governamentais. O racismo é fundante de Estados
edificados e mantidos com mão de obra escrava.
Waldir Bertúlio