No
falar do nosso povo da baixada cuiabana, é um elevado respeito e reconhecimento
da sabença quando chamavam as referências da comunidade no prenome ou apelido
de Chá(ou Siá). Como minha bisa, Chá Maria Clara e tanta gente plena de
sabedoria na trajetória de vida. Sim, pessoas marcantes e influentes com sua
força subjetiva, como nestes tempos, o artista plástico João Sebastião, que nos
deixou inesperadamente neste domingo. Como dizia, dia de pensar trabalhando.
“Chá Onça” foi o apelido identitário calcado na imagem que construiu em
metáfora e realidade nesta terra que tanto nutriu sua criatividade pictórica.
Assim, ouvia o ator e dramaturgo Luís Carlos Ribeiro chama-lo carinhosamente.
João Sebastião puxa sua refinada arte plasmando expressões multifacetadas da
onça, do caju e do seu entorno ecológico. Suas ilustres figuras do mundo animal
e vegetal, transmutando em gente na sua metáfora e factualidades poéticas, com
os pincéis certeiros e tintas contrastantes. Suas formulações instigam desde as
reflexões na ecologia da vida, à feminilidade e estética de gênero. Deságua na
sua paixão pela figura forte e polemica de Maria Taquara. Ele mergulha dizendo
que precisa falar claramente sobre “nós, o povo”, reafirmando a personalidade
excluída, a pecha de louca, porque afrontava as regras sociais que a mantinham
na linha tênue entre a lucidez, a loucura, a coragem e a liberdade. Lembro que
tive o desprazer e indignação estimulada, quando ouvi na UFMT há muito tempo
algumas pessoas falarem que sua arte seria alienante. Absurdo! Ignorância.
Esconderia a realidade? Mas, de que realidade João Sebastião fala? De uma
perspectiva incomum da formação nacional, de evolução da arte com seus potentes
e polissêmicos discursos. Cutucou ferinamente a onça-gente no imaginário
social, ai sim, em suas profundas contradições. Como nos diálogos com o saudoso
Paulo Medina, ele dizia que sua arte também faz reduto e útero dentro de seu
corpo. É dele que se extrai a expressão artística, comprometida com o devir e
com a alteridade. São forças virtuais e reais que compõem a materialização das
suas obras, singularmente, como em Humberto Espindola, Vitória Basaia, Gervane
de Paula, Nilson Pimenta, Dalva de Barros, Adyr Sodré e outros. A alteridade,
no combate delicado e radical pelo respeito ao outro, a outra, a diversidade.
No devir, até porque esta história não se encerra aqui, com a sua partida para
outro plano. Ele plantou a perspectiva de partos do “vir a ser”, em sua leitura
do mundo. Em sua arte provocante, delicada e universal. Sim, João Sebastião
foi-se em pleno voo de maturidade, criatividade e desafios. Fez das “vísceras o
coração”, para dar conta de tudo que acumulou, plantando desejos como desafios.
Esperamos que gente como Aline Figueiredo e André D’Luca possam dar
continuidade ao projeto ampliado da bela história viva e presente de Maria
Taquara. A onça mãe? Ele adentrou ao sincretismo religioso, no embate entre a
cultura do machismo, da virilidade, e no sufocamento da sexualidade. O lugar, o espaço geográfico, oferecem sua
marca identitária, que caminha na direção da diversidade cultural. Sua triste
morte o apanhou de surpresa, tantos os projetos que acalentava em sua
transformação constante. Isto talvez demarque a própria falta de controle que temos
sobre nossas próprias vidas. João Sebastião, em vida plena na arte, como
caminho dos sonhos, desejos e liberdade. Todos que compartilham da emoção em
sua arte te saúdam, João Sebastião. “Chá Onça”, belicosa e guerreira!
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