terça-feira, 28 de julho de 2015

A Partida de um Lutador

“Há homens que lutam um dia, e são bons, há outros que lutam um ano, e são melhores, mas há os que lutam toda vida, estes são os imprescindíveis” (Bertold Brecht). É esta a marca indelével deste menino que saiu do ventre pantaneiro, rio abaixo do Perigara. Sem acesso a decidiu vir para Cuiabá retomar o tempo que não teve para estudar, completando o ginasial e o colegial. Seu sonho e decisão foi formar-se em medicina, conseguindo seu intento no Rio de Janeiro. Deixou os alagados pantaneiros e a lide com o gado, festas e cantorias de raiz que tanto amava. Saudades do silencio e algazarra da fauna pantaneira, do voo rasante das batuíras, do canto dolente das anhumas, verdadeiro símbolo alado do baixo pantanal. Desde lá, de Cuiabá ao Rio de Janeiro, transforma sua inquietação (de homem pantaneiro que enfrentava bois “baguás”), em indignação. Frente à iniquidade nas relações de desrespeito e opressão sobre homens e mulheres desfavorecidos socialmente. Em sua trajetória desde o movimento estudantil, participou ainda como calouro  a partir de 68 contra a ditadura militar. Daí, sua simpatia e filiação ao PCB, passando a militar e participar da sua direção e organização aqui em Cuiabá, após a conclusão do curso de medicina. Participou dos encontros combativos do ECEM (Encontro dos Estudantes de Medicina) trazendo pensamento e proposta de Vladimir Illitch para o campo da saúde. Assim, forjou-se um grande Sanitarista, verdadeiro médico “pés descalços”. Como não poderia deixar de ser, escolheu a Saúde Pública como seu eixo e objeto de trabalho. Mergulhou na luta pela construção e implementação do SUS no Brasil e MT. Profundo conhecedor do Setor Saúde e suas mazelas, a partir dos determinantes sociais, lutou até as últimas forças pela democratização e pela Reforma Sanitária no país. Em nosso último encontro, após perguntar-lhe da conjuntura política, lembrou-me de um poema de Brecht: “Realmente, que tempos são estes, em que é delito falar de coisas inocentes, pois implica em silencio sobre tantos horrores?” Meu amigo Rubens Apoitia estava animado com o novo PCB, contente com a campanha que fizera na última eleição presidencial e suas posições políticas atuais. Quando extinguiu o partido, ele não concordou com a criação do PPS, vindo a retomar militância com a refundação do partido em Florianópolis. Ele aderiu prontamente, colaborando na reorganização do partido aqui em Cuiabá. Trabalhamos juntos no Curso de Medicina da UFMT desde que entrei em 1987. Sua máxima era: ”quem não está disposto a estudar, não deve ensinar, o professor deve ensinar a estudar”  (Maiakosky). Grandes experiências e aprendizados nos Internatos em Saúde Coletiva, com os Serviços de Saúde de municípios pantaneiros, baixada cuiabana e Vale do Teles Pires. Alunos do sexto ano estagiando por 90 dias nas Secretarias de Saúde municipais, sob coordenação e supervisão do Dpto. de Medicina, posteriormente, do Instituto de Saúde Coletiva. Grande conhecedor das endemias, aliás, foi dirigente da SUCAM. Sua contribuição foi importante para mostrar a realidade da saúde em MT fora das instalações hospitalares e na construção dos primeiros projetos de Saúde da Família em MT. O eixo, valorização da Atenção Primária em Saúde. Sobretudo cultivou as raízes da nossa terra em seu coração pantaneiro, cantador de Cururu e tocador de viola de cocho e ganzá, frequentando as festas de santo da baixada cuiabana. Apoitia partiu deste plano em plena convicção e coerência com sua escolha marxista.  Aqui, dois fragmentos de suas anotações em Maiakosky: -“que os meus ideais sejam tanto e mais fortes quanto maior forem os desafios, mesmo que seja preciso transpor aparentemente obstáculos intransponíveis”. – “Porque metade de mim, é feito de sonhos, outra metade é de luta”.  Diria eu, que este poeta -  dramaturgo tem mais um fragmento que posso dedicar a ele: – “O coração tem domicilio no peito/ comigo a anatomia enlouqueceu/ sou todo coração/em toda parte pulsa”. Este distanciamento, meu querido amigo, é apenas temporário. Haveremos de nos encontrar não muito longe, no tempo que for concedido. Seus “baixões” nas rodas de Cururu reboam pelas planícies, rios e matas da nossa terra. Realidade, sonho e utopia!
Waldir Bertulio

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