terça-feira, 27 de maio de 2014

Crônica da Violência


O Estado de Mato Grosso está mal na possibilidade de enfrentamento ampliado da violência contra a mulher. Basta começar pela constatação de que não há locação de investimentos públicos específicos nas três principais Secretarias responsáveis ( Segurança Pública e Justiça, Assistência Social e Saúde) e nos Municípios. Verificam-se ações pontuais e genéricas pontuadas. Não existem rubricas, recursos específicos, tanto no Governo estadual quanto nos Municípios para prevenir e atuar contra a violência contra as mulheres. Agressões, estupros, impunidade, turismo sexual, crescem assustadoramente. No setor saúde, tudo está diluído em Atenção Primária e Hospitalar, podendo ser custeadas difusamente na chamada média e alta complexidade. O Hospital Universitário da UFMT é a referencia credenciada para atendimento da violência sexual. Infelizmente, com um serviço paupérrimo ( na contramão da sua qualificada atenção) conforme constatei mais uma vez em acompanhamento recente de uma estudante estuprada. Na delegacia especializada, a espera foi cerca de uma hora, chamando, batendo, e enfim, gritando para ver se alguém atendia, pois os portões estavam fechados e as luzes acesas. Apesar do informe de que é plantão de 24 horas Um investigador atendeu, abriu as portas e chamou uma comissária que veio algum tempo depois. Ou seja, estavam de plantão. Ela insistia em atender no outro dia, foi contestada, até que a mesma resolveu fazer o Boletim de Ocorrência. O agressor continua em liberdade, apesar de identificado e localizado imediatamente. Parece que era caso de prisão em flagrante, mas o delegado disse no outro dia, que ele não iria “arriscar cometer abuso de autoridade”. O HU da UFMT não deveria aceitar esta incumbência sem o necessário aporte logístico, financeiro e de recursos humanos treinados para estas demandas. É negativo, vez que é o melhor hospital de Mato Grosso em acolhimento e qualidade no atendimento. Frente ao inevitável e grave trauma psíquico, o atendimento psicológico conta apenas com uma profissional, que dificilmente está disponível. Vitima, familiares e amigos esperaram nos corredores por cinco horas, avisados que precisariam esperar sair os resultados dos exames laboratoriais, apesar de que o protocolo da conduta médica não condicionava isto às medidas de emergência, inclusive terapêutico-preventivas. A residente, desorientada, adotou medidas só após o questionamento de um professor que lá chegou para dar apoio a vitima. Indignou-se com o tempo de espera e a falta de previsão para a conclusão dos exames laboratoriais, condição apresentada par a liberação da vitima, pior, porque não havia previsão para conclusão e liberação dos laudos laboratoriais. Após esta intervenção, em 30 minutos a médica retornou dizendo que ia aplicar alguns procedimentos e que então a vitima estaria liberada. Dessa forma, não seria necessário o resultado laboratorial. No IML, o médico de plantão examinou superficialmente. Quando questionado após liberação da vitima, afirmou uma “perola de machismo e ignorância” após argumentos e contra-argumentos, para encerrar: “ que ademais, a vitima não era mais virgem”. Como se a “perda” de virgindade autorizasse estupros. Nada a ver com sua autonomia de conduta médica, mas com a falta de rigor e conhecimento ampliado do problema. Claro, não resume-se a uma questão médica pontual. É preciso entender o mínimo dos condicionantes de problemas ali apresentados. Muitas são as formas de opressão contra as mulheres: violência domestica, mercantilização do corpo da mulher, (polemica, a legalização da prostituição poderá colocar os cafetões oficialmente usando corpo e sexo como mercadoria), duplas e triplas jornadas, assédio moral e sexual no trabalho, desigualdade na oportunidade de trabalhos, aliada a menor salário para as mulheres nas mesmas funções, ameaças de demissão, e tantas outras formas. O Brasil é o sétimo país que mais mata mulheres entre 84 que compõem o ranking da Organização Mundial de Saúde. Anualmente, mais de trezentas mil mulheres vitimas de violação sexual. A cada 5 minutos uma mulher é violentada. O “requentamento” do disque 100 para 180 ( denuncias), amplia canal sim, mas , qual estrutura é oferecida pelos poderes públicos? Como implementar e ampliar de fato a ação da Lei Maria da Penha?

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