“Todos os males da política decorrem de
como são feitas as eleições”. Por
incrível que pareça, esta frase é de Dom Pedro II (1770). A crise que
enfrentamos aqui no Brasil nos últimos tempos é um embate que chega até as
últimas consequências, entre o falseamento da verdade, o cinismo e a
prospectiva de ressuscitar um mínimo de ética pública. É preciso acumular
esforço da população em busca de sanear a indigência na representação política.
As alternativas colocadas neste cenário, desde o impeachment não são nada
alvissareiras. A quase totalidade dos atores políticos, apresentam-se apenas
rodiziando nas oportunidades de locupletação do poder, traições e continuidade
da malversação pública. Raros se posicionam como alternativa à construção da
decorosidade na política. Talvez só eleições gerais como saída, com renúncia de
todos os mandatos, se assim for possível na constitucionalidade, sobretudo na
soberania da população. Será possível uma eleição geral mais ou menos limpa
aqui no Brasil - com a sanha da luta pela impunidade na corrupção ? A filosofa
Hanna Arendt dizia que seu ofício era a teoria política, aprofundando no que
chamou de “banalidade do mal”. Tratou do mal absoluto, ou mal radical, em seus
efeitos bombásticos sobre a ética e a função do poder, a luz do nazismo e da
sua condição judaica. Daí, fez análises abrangentes para sistemas em que todos
tornam-se supérfluos. Para isto, seria preciso destruir a pessoa jurídica de
homens e mulheres, para então acabar com suas individualidades e
espontaneidades. Assim, tratar de sumir com a capacidade humana de ter
iniciativas novas autonomamente. É a conspiração para que todos tornem-se
supérfluos. O cidadão seria reduzido aos que atuam sob ordens, que obedecem
cegamente e incapazes de pensarem por si próprios. A superioridade da
obediência iria abolir a espontaneidade da criação, do enfrentamento, do
confronto e da resistência. Nesta busca do potencial da ausência de pensamento,
nessa opacidade, consciência rarefeita, é que surge a tragédia que a filosofa
chamou de banalidade do mal. O fenômeno do mal na esfera política cabe como
reflexão aqui, agora em nossos tempos. A partir do vazio ético no pensamento e
na prática política, passando pelo fascismo, termo muito usado nos tempos
recentes, aterrisamos na malfadada experiência brasileira dos tempos sombrios
da ditadura. O último 31 de março e primeiro de abril, ficou engolfada e até
esquecida neste ciclone de crise política que o país enfrenta. Estamos a 52
anos do “Golpe Civil-Militar-Empresarial”, que impôs uma escalada de violência
do Estado Ditatorial no Brasil. Na progressão dos Atos Institucionais, o AI-5
fecha o Congresso, suprime o habeas corpus, extingue a legalidade
jurídica e constitucional, escancarando as portas ao terrorismo do Estado, com
a imprensa amordaçada. Milhares de perseguidos, exilados, torturas,
assassinatos, mortos, desaparecidos, tantas famílias até hoje esperando
encontrar os corpos de seus entes queridos para enterrá-los. Centenas de presos
políticos espalhados pelas prisões, 10.000 exilados, 119 banidos espalhados
pelo mundo, 4.877 políticos cassados, 263 estudantes expulsos das Universidades
Federais pelo decreto 477. Neste período foi estreitado o conluio do Governo
com empresariado, empreiteiras e projetos megalomaníacos sob os auspícios da
malversação do dinheiro público. A mesma promiscuidade público-privado que
apareceu na ditadura, hoje aflora com a Operação Lava-Jato, intensificando a
bem-vinda luta contra a corrupção e a impunidade x a luta nefasta para continuar
tudo como antes. A defesa irrestrita contra as investigações é absurda: se
todos desviaram o dinheiro público, porque nós não podemos? É ridículo o
argumento de golpe, quanto mais na boca dos que viveram os rigores da ditadura.
É preciso sucumbir ao menos com a mínima dignidade, pois as regras do jogo e
parceiros hoje contendores foram escolhidos pelo partido do governo e suas
lideranças, para sustentarem-se no poder. Balcão de negócios a todo o vapor com
o erário público a qualquer preço. Quem acredita que o partido do governo não
tenha nada a ver com tudo que está acontecendo? Estamos a frente da banalização
do mal e do cinismo. E agora?
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